Notícia
INPE irá manter estação meteorológica na Antártica
São José dos Campos-SP, 05 de julho de 2010
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) assegura que irá manter a coleta de dados meteorológicos na Estação Antártica Brasileira e, como esclarecimento à matéria publicada pela Folha de S. Paulo no último dia 25, divulga abaixo nota assinada pelo chefe do Projeto Antártico do INPE, Ronald Buss de Souza.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, através dessa nota oficial, posiciona-se em relação à matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo em seu caderno de Ciência intitulada Corte de verbas soterra pesquisa climática polar brasileira. A matéria, publicada pelo reconhecido editor de ciência do referido jornal, induz o leitor a pensar que o chamado projeto de meteorologia do INPE é responsável único pela pesquisa climática polar nacional. O INPE reconhece o trabalho pioneiro e o esforço do pesquisador Dr. Alberto Setzer, servidor de carreira dos seus quadros, ocupando o cargo de pesquisador titular, em iniciar e manter funcionando a estação meteorológica da Estação Antártica Comandante Ferraz (EAFC), na ilha do Rei Jorge, desde o início do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) em 1982.
O INPE reconhece e faz questão de esclarecer, todavia, que a pesquisa climática polar realizada no Brasil é atualmente realizada por muitos pesquisadores de diversas instituições, incluindo o INPE. A maior parte dessas instituições são universidades de renome internacional como a UFRJ, USP, UFRGS, FURG, UFPR, UFV e tantas outras. Para a análise de tendências climáticas, dados meteorológicos, oceanográficos e de outras áreas das ciências físicas tomados in situ, através de estações de coleta de dados, são extremamente necessários. A montagem de cenários climáticos só é possível, no entanto, pela integração e/ou assimilação desses dados em modelos numéricos de previsão climática. Os modelos de previsão climática, assim como os de previsão de tempo disponíveis no Brasil (rodados operacionalmente no CPTEC e INMET, por exemplo) se valem de informações de inúmeras fontes, incluindo os dados coletados na EACF, para previsões de cenários futuros em escala global ou regional.
Uma análise histórica do PROANTAR deve ser descrita para que os fatos atuais não pareçam tão surpreendentes como a análise do jornalista Cláudio Ângelo leva a o leitor a concluir. O programa foi criado pelo Decreto nº 86.830 de 12 de janeiro de 1982. Como um dos objetivos iniciais, o PROANTAR se propunha a estudar as correntes marinhas e a meteorologia antártica com vistas a avaliar seus impactos sobre o Brasil. O PROANTAR, como foi concebido desde a sua existência, passou por uma fase de gerência exclusiva pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) que durou até 1990. Nessa fase um dos objetivos prioritários juntamente com a pesquisa antártica, foi geopolítico, a fim de marcar a presença do Brasil na Antártica e assegurar a posição do nosso país frente às decisões futuras sobre o continente antártico. O Brasil aderiu ao Tratado Antártico em 1975, e a criação do PROANTAR em 1982 foi conseqüência dessa decisão de estado tomada pelo Brasil.
Como contribuição científica, o INPE participou do PROANTAR desde a sua criação com projetos de pesquisa nas áreas de meteorologia (coordenados pelo Dr. Alberto Setzer) e em outras áreas como a oceanografia e o estudo da alta atmosfera e da camada de ozônio. Para a manutenção desses projetos, até 1990, a verba era proveniente da CIRM sem concorrência aberta entre os pesquisadores. O INPE, desde o início do PROANTAR, manteve salários, diárias, infraestrutura para pesquisa e verba para a compra de muitos instrumentos como apoio aos servidores (pesquisadores e técnicos) que participam das operações antárticas a cada ano.
A partir de 1990, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tornou-se responsável pela implementação e avaliação da pesquisa científica brasileira na Antártica. A decisão de passar a coordenação científica do PROANTAR da CIRM para o CNPq deveu-se, em parte, ao fato de que a comunidade de pesquisa sobre Antártica no Brasil havia crescido e, em parte, às aspirações do Brasil em fazer parte do Tratado Antártico como Membro Consultivo, assim como ser admitido como membro do Scientific Committee on Antarctic Research (SCAR). Isso acabou por ocorrer em 1993. O presente status brasileiro com membro consultivo (ou seja, com direito a voto) do tratado Antártico só é garantido pela manutenção de um programa substancial de investigação científica, independentemente da CIRM que, desde 1990, é responsável apenas pela parte logística do PROANTAR.
Ao mesmo tempo em que dispunham do apoio possível através do INPE, os pesquisadores do instituto a partir de 1990 passaram a disputar verba para seus projetos abertamente com outros grupos e pesquisadores nacionais ligados ao PROANTAR. O INPE considera essa disputa louvável e promove, desde 1990 até hoje, a livre iniciativa de seus pesquisadores para submeterem projetos de pesquisa ao CNPq como coordenadores de projetos ou como pesquisadores associados. O INPE considera que os consultores Ad Hoc do CNPq têm competência e alto nível científico para julgarem seus processos de maneira equilibrada e idônea que permeia as ações da agência desde a sua criação.
Em 2002, por iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, em convênio com o CNPq, o fomento às pesquisas foi induzido através de um edital público que criou duas novas redes de trabalho: (1) Rede de pesquisa sobre o impacto das mudanças ambientais globais na Antártica e suas conseqüências para o Brasil e (2) Rede de pesquisa sobre a avaliação do impacto ambiental das próprias atividades brasileiras na Antártica e, espacialmente, na região da Baía do Almirantado, na ilha do Rei Jorge, onde se localiza a EACF. Com o estabelecimento das redes de pesquisa, a oceanografia e a meteorologia brasileiras na Antártica ganharam um grande avanço, especialmente focando o tema das mudanças globais e seus impactos para o Brasil. Para o estabelecimento dessas redes, porém, os pesquisadores do INPE estiveram associados a outros grupos e deixaram a coordenação geral de seus projetos por atuarem na forma de projetos guarda-chuva. O projeto de meteorologia, assim como outros projetos do INPE, passou a atuar na Rede 1.
O fato marcante na história do PROANTAR foi que, a partir da montagem das redes de pesquisa em 2002, o navio que até então era usado para coleta de dados exclusivamente no Oceano Austral (oceano que circunda a Antártica) passou a ser usado também como plataforma para estudos científicos que focavam os processos de conexão entre o Oceano Austral e o Oceano Atlântico Sul, com vistas ao entendimento do clima do nosso país. Em vez de simplesmente transportar os pesquisadores desde o Brasil até a Antártica e servir de plataforma apenas para estudar o Oceano Austral, desde 2003 o Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel é usado pelos pesquisadores do INPE para realizar medidas oceanográficas e meteorológicas ao longo de seu trajeto entre o Brasil e a Antártica.
Entre 2007 e 2008 celebrou-se o chamado Ano Polar Internacional (API). O API foi um grande programa científico focado em estudar as regiões polares do planeta: o Ártico e a Antártica. O programa foi organizado pelo International Council for Science (ICSU) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). Esse API foi o quarto, seguindo aqueles dos anos de 1882-1883, 1932-1933 e 1957-1958. No total, o IV API promoveu mais de duzentos projetos científicos em mais de sessenta países, com a participação de milhares de pesquisadores, estudantes, técnicos e pessoal de apoio logístico em áreas que incluem as ciências físicas, biológicas e sociais. No âmbito do API, o Brasil participou através do PROANTAR de cerca de vinte atividades, muitas delas formadas por redes nacionais e internacionais entre pesquisadores do INPE e de outras instituições brasileiras, em parcerias com dezenas de países.
Os projetos brasileiros de pesquisa do API tiveram como foco: (1) Interação entre as regiões da plataforma continental e o talude (região de quebra da plataforma) antárticos; (2) Efeitos da circulação oceânica no clima antártico e suas conexões com a América do Sul; (3) Química e física da alta atmosfera e sua conexão com a América do Sul (onde se colocou o projeto de meteorologia do INPE); (4) Balanço de massa das geleiras da Península Antártica e seu impacto nos ecossistemas locais; (5) Estudo de adaptações evolutivas dos peixes antárticos e (6) Impacto das alterações ambientais locais nas estações antárticas, com ênfase na EACF.
Como um dos objetivos do INPE no API, o entendimento dos processos de conexão global entre o oceano, a atmosfera e o gelo continental e marinho (criosfera) na Antártica e seus arredores com o Continente Sul-Americano é prioritário. Esse entendimento depende do conhecimento dos processos de grande e média escalas que ocorrem não somente na Antártica e Oceano Austral, mas também no Oceano Atlântico Sul e na atmosfera imediatamente acima. O avanço da ciência e dos estudos climáticos tem levado a comunidade científica nacional e internacional a estudar e tentar compreender melhor o papel do Oceano Atlântico Sul no clima da América do Sul. Até o presente, essa região não foi extensivamente estudada. Os efeitos no clima e tempo da América do Sul ainda não são completamente entendidos, especialmente nas regiões costeiras do sul e sudeste do Brasil. A porção oeste da Península Antártica, a Patagônia argentina e o Oceano Atlântico são regiões caracterizadas pelo surgimento e passagem de frentes frias, tormentas e ciclones que acabam por atingir a porção sul e sudeste da América do Sul.
No dias de hoje, entre os diversos aspectos das ciências antárticas tratados no INPE, um esforço tem sido dispensado para um melhor entendimento dos processos de interação oceano-atmosfera no Oceano Atlântico Sul e no Oceano Austral. Através de técnicas de assimilação de dados meteorológicos e oceanográficos obtidos in situ espera-se uma melhora das previsões de tempo e clima para o Brasil e demais países sul-americanos. Além da verba dedicada pelo INPE a esses estudos que são realizados no CPTEC, a aprovação de projetos individuais de pesquisa de caráter inovador que foquem as mudanças globais, a Antártica e suas conexões com o continente sul-americano é um passo muito importante para a obtenção de conhecimento científico acerca dos prováveis impactos futuros do aquecimento global no planeta e no Brasil.
Em 2008, através de chamada pública de um convênio entre o MCT/CNPq e várias agências de fomento estaduais do Brasil, foram estabelecidos os chamados Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Da mesma forma que as redes de pesquisa anteriormente estabelecidas no PROANTAR, muitos pesquisadores do INPE participam de duas redes dedicadas a estudos polares: O INCT Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT APA), liderado pela UFRJ, e o INCT da Criosfera, liderado pela UFRGS. Dentre esses dois institutos virtuais, o projeto de meteorologia do INPE participa informalmente do primeiro. Em 2009, a chamada pública do CNPq específica para projetos do PROANTAR, conforme descreve o jornalista Cláudio Ângelo, não destinou recursos para a proposta apresentada pelo Dr. Alberto Setzer. Outrossim, outros projetos do INPE foram agraciados com verba.
Diante da missão do INPE de manter infraestrutura operacional de observação da terra em suas várias formas (satélites, bóias, estações remotas) é de inteiro interesse do instituto dar continuidade às atividades do projeto de meteorologia do PROANTAR e manter em pleno funcionamento a estação meteorológica da EACF. A Direção do INPE entende que órgãos de fomento como CNPq não têm como missão a manutenção de infraestrutura operacional para observação da Terra. O INPE entende também que a matéria do jornalista Cláudio Ângelo leva erroneamente o leitor a entender que o CNPq cortou verbas do projeto de meteorologia do PROANTAR quando, na realidade, esse órgão não financiava diretamente esse projeto há algum tempo e o que ocorreu, na realidade, é que a nova proposta do Dr. Setzer ao CNPq para buscar fundos para seu projeto não foi atendida no momento. Ao mesmo tempo, o INPE compartilha com a comunidade científica e com a sociedade brasileira a visão de que é uma necessidade fundamental a manutenção da série histórica de dados meteorológicos que tem sido recolhida pelo Dr. Setzer na Antártica há mais de 25 anos. Assim, o INPE assume a totalidade das atividades de meteorologia operacional do PROANTAR e tomará as providências necessárias para que não haja interrupção nas medidas meteorológicas na EACF.
Ronald Buss de Souza
Matéria publicada pela Folha de S.Paulo, em 25/06/10:
Corte de verbas soterra pesquisa climática polar brasileira
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Um corte de verbas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) ameaça interromper a coleta de dados climáticos que o Brasil faz na Antártida há 25 anos.
As três estações meteorológicas mantidas pelo país poderão ser desativadas, depois que o projeto de meteorologia do Programa Antártico Brasileiro perdeu uma disputa por verbas e foi suspenso pelo órgão, em abril.
"Vou para lá no fim do ano desmontar tudo, paciência", queixa-se o chefe do projeto, Alberto Setzer, meteorologista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
As estações coletam dados como temperatura, precipitação e velocidade do vento.
Elas são importantes não só para orientar a logística das operações brasileiras, que dependem de monitoramento constante do tempo mal-humorado da região, como também para integrar as séries de dados internacionais que permitem acompanhar como o clima está mudando na Antártida.
Essa informação é crucial para os modelos computacionais que avaliam o impacto do aquecimento global no degelo e no nível do mar. Uma das estações brasileiras tem uma série de dados contínua desde 1940 --é uma das mais longas da Antártida.
No ano passado, Setzer havia concorrido com um pedido de R$ 840 mil num edital de R$ 14 milhões aberto pelo CNPq para financiar a pesquisa antártica.
Até então, a média de gastos com o projeto de meteorologia era cerca de R$ 16 mil por ano. "É o que eles gastam com copinhos descartáveis nas operações", diz.
O projeto foi rejeitado duas vezes. Setzer reclama que nenhum dos três cientistas que julgaram a proposta era da área de clima ou Antártida.
"Esse é um argumento constante que a gente ouve, mas o julgamento científico não precisa ser feito por especialistas na área", disse à Folha José Oswaldo Siqueira, diretor do CNPq.
Segundo ele, o projeto de Setzer foi bem pontuado, mas ficou abaixo da nota de corte para o financiamento. "Recebi 67 propostas, que somavam R$ 42 milhões, tinha só R$ 14 milhões e pude contratar 18 propostas."
"É algo indesejável, mas temos de seguir a 8.666", afirmou Siqueira, referindo-se à Lei de Licitações.
O diretor do Inpe, Gilberto Câmara, disse que o instituto não vai deixar a coleta de dados acabar. "É uma questão de responsabilidade. Quando você tem uma série histórica de dados, tem de manter. Não tem perigo de esse dado ser interrompido."
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