Notícia
Preservação da floresta depende de saber técnico-científico e inovação
São José dos Campos-SP, 28 de abril de 2008
Pesquisador do INPE, Carlos Nobre defende novo modelo de desenvolvimento para Amazônia e afirma que é possível modernizar a produção em áreas desmatadas. Denunciando como falso o dilema que opõe a conservação da floresta ao desenvolvimento econômico, Carlos Nobre assina um artigo em conjunto com Bertha Becker e Roberto Bartholo, ambos da UFRJ, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo neste domingo (27/04). Confira a seguir a íntegra do artigo, que enfatiza o conhecimento científico, tecnologias avançadas e a inovação como chaves para utilização não predatória da floresta.
Uma via para a Amazônia
O falso dilema trata a conservação como sinônimo de preservação intocável e identifica desenvolvimento com produção destrutiva
O debate sobre o aumento das taxas de desmatamento na Amazônia no final de 2007 foi ocasião propícia para um ataque inédito de alguns interesses do setor agroindustrial atuando no Brasil central e na Amazônia ao INPE, uma das instituições-chave do sistema brasileiro de ciência e tecnologia e da capacidade de formulação de caminhos próprios de desenvolvimento.
Não é inocente nesse contexto um doloso desconhecimento: ignorar que a ciência (aqui e em toda parte) avança por meio de acertos e erros. Pretender fazer de diferenças metodológicas sobre como detectar desmatamento e degradação a partir do espaço o argumento para deslegitimar nossa ciência pode ser um ato mais que destrutivo ao futuro do Brasil.
O nó da questão é o falso dilema entre conservação e desenvolvimento. Falso porque trata a conservação como sinônimo de preservação intocável e identifica o desenvolvimento com produção destrutiva, respaldado num histórico de agropecuária causadora de gigantesco passivo ambiental na Amazônia. Falso pois não admite a existência de diversos modos de modernidade e caminhos alternativos de desenvolvimento e pretende fazer da verdade complexa dessa questão pouco mais que uma caricatura simplista.
É grande a diversidade de interesses e agentes sociais que desejam o desenvolvimento da Amazônia com base na produção: vorazes grileiros e desflorestadores -"tradings", grandes empresas e fazendeiros-, produtores familiares com diferentes graus de organização e empreendedorismo, produtores médios que produzem e mantêm suas famílias com boa qualidade de vida e alguns que já utilizam padrões mais avançados de produção.
É também grande a diversidade de interesses e agentes ambientalistas, desde os "amigos de Gaia", passando por ONGs bastante diferenciadas em seus propósitos e interesses e chegando aos grandes bancos do capital financeiro globalizado, interessados na preservação em razão de interesses associados ao mercado de carbono.
O desenvolvimento da Amazônia não pode ser reduzido à lógica maniqueísta. É forçoso reconhecer que há bandidos e mocinhos em cada um dos lados da falsa polarização. É urgente escapar à armadilha do falso dilema para conceber uma via para a Amazônia na modernidade contemporânea.
Manter a floresta em pé interessa a todos que tenham um mínimo de sensatez e sensibilidade. O que está em jogo são os modos, as finalidades e, de modo mais direto, quem se beneficia com os dividendos de sua manutenção. A preservação da floresta como argumento pode servir a um variado conjunto de propósitos, inclusive a uma composição entre elementos aparentemente díspares, como instituições ambientalistas internacionais, grandes instituições financeiras e veículos de comunicação nacionais.
É possível preservar a floresta mantendo-a intocada, com utilização rudimentar de seu potencial, que pouco beneficia as comunidades tradicionais. Outro modo de mantê-la em pé é a abertura a novas oportunidades e interações, com o uso de artefatos que utilizem seu potencial sem destruí-la, encarando-a como fonte de afirmação da vida e distribuindo os lucros obtidos com a produção não predatória para muito mais gente.
Essa utilização produtiva não predatória em ampla escala só pode ocorrer com base no conhecimento científico, em tecnologias avançadas e na inovação. Já há condições para isso. A comunidade científica brasileira tem a convicção de que a contenção do desmatamento e o desenvolvimento da Amazônia só se farão mediante um modelo de desenvolvimento inovador capaz de utilizar e conservar a floresta e os recursos aquáticos ao mesmo tempo. Essa via da sensatez não se resume à floresta. É possível modernizar a produção em áreas desmatadas produzindo até quatro vezes mais em metade da área que hoje se ocupa.
É muito significativo nesse contexto que a Academia Brasileira de Ciências esteja organizando um grupo de pesquisadores dedicados a fornecer as condições para transformar conhecimento em ação, apoiando um novo modelo de desenvolvimento para regiões tropicais florestadas.
Enfim, a Amazônia é a esfinge a ser decifrada pelas políticas de desenvolvimento no Brasil, num empenho em que a ação do Estado democrático de Direito não pode ser ambígua -deve se exercer em consonância com o projeto nacional.
Ps: Este documento foi endossado por 20 pesquisadores da Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia - GEOMA.
BERTHA K. BECKER é professora emérita de geografia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro da Academia Brasileira de Ciências.
CARLOS A. NOBRE, 57, é pesquisador titular do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e membro da Academia Brasileira de Ciências.
ROBERTO BARTHOLO é coordenador do programa de engenharia de produção da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia).
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